Lembo-me quando vi “Uma Verdade Inconveniente” no cinema da minha vila: estava no 8º ano, e toda a escola foi convidada a ir à sala de cinema para ver o documentário sobre o aquecimento global derivado da ação humana no planeta.
E lembro-me, no final, de achar que o problema não tinha solução.
Que havia tanto para mudar que seria impossível fazer tudo.
Se me dissessem na altura que eu tinha que produzir os meus próprios alimentos, separar os meus resíduos em 20 categorias diferentes (como faz uma certa vila no Japão que produz 0 lixo), criar a minha própria carne, boicotar todos os plásticos e a indústria do petróleo, participar em todas as manifestações socio-ambientais…. a minha cabeça explodia.
E explodiu. Durante muito tempo não fiz nada em relação ao assunto porque me senti tão afogada no meu estilo de vida – havia tanto para mudar que nem sabia por onde começar. Não tinha um sistema para transitar para o estilo de vida “romântico” que eu imaginava e com que sonhava sem que parecesse uma tarefa utópica ou extremista – nem sabia que tal coisa podia existir.
Mas a verdade é que todo o nosso dia a dia é uma amálgama de hábitos. E esse conjunto de hábitos não se criou num só dia – foram-se acumulando, devagarinho, sem darmos por ela.
E se conseguissemos fazer o mesmo com os hábitos de uma vida sustentável?
Eu e o Pipo estamos a trabalhar activamente na nossa transição à cerca de um ano e meio. Muito pouco tempo, somos praticamente novatos. Mas a verdade é que nesse pouco tempo já mudámos muita coisa, e se tivéssemos tentado fazer tudo de uma vez, provavelmente teríamos desistido. A pouco e pouco, mas de uma forma consistente, já temos uma horta de cerca de 200m quadrados, já temos galinhas que não só nos dão ovos como nos ajudam no controlo de ervas daninhas e na fertilização do solo, já temos um vermicompostor, pelo menos mais 20 árvores novas, banco de sementes, plantas medicinais. Já reduzimos o lixo que sai da casa: reaproveitamos todo o lixo orgânico, as borras de café, os guardanapos e papéis, e breve as latas e as garrafas de vidro e plástico serão aproveitadas também.
Como é que se consegue fazer tanto sem termos dado por isso? Com um sistema. Um método de transição simples que se pode ir seguindo, que podes aplicar ao teu estilo de vida para fazeres as mudanças que tu consideras necessárias.
Permacultura é a criação desses sistemas e métodos de transição para estilos de vida sustentáveis de habitação humana. É justamente para que tenhas um método baseado em princípios e éticas próprias que guiem as tuas ações e os teus hábitos na direção da sustentabilidade sem que te sintas como a Rute do 8º ano.
E foi justamente isso que falámos no Cidade+, no Porto, quando fomos convidados a aceitar um desafio: a transição para a sustentabilidade urbana.
Deixamos aqui o texto de apoio com os métodos de transição que ensinámos na formação.
Pega num bloco de notas e aponta tudo o que considerares útil para aplicares na tua casa e nos teus hábitos do dia-a-dia.
Queres acesso à gravação de video da formação e ao PDF com toda a informação abaixo pronta para guardares? Subscreve para a nossa newsletter e recebe o link para acederes à video-formação onde são explicados mais aprofundadamente os conceitos descritos abaixo, entre muitas outras coisas: são 1h30 de conversa sobre métodos para a transição para um estilo de vida sustentável! Inscreve-te na nossa newsletter e recebe a formação em video da nossa intervenção no Cidade+ e o PDF.
Permacultura Aplicada na Transição
1. Modelo de Mindset
Tudo começa na nossa mente. Se ela não estiver alinhada, nada do que queremos atingir se consegue manifestar. Por isso trabalhar o MINDSET é o primeiro ponto para a transição. Começa por estudar as éticas e os princípios de permacultura para que tenhas uma guideline básica que guiem o teu método de transição para o estilo de vida sustentável que pretendes atingir.
Processo Comum: DESEJO —» MEIOS —» DECISÃO
Este método é o mais comum e o responsável por 99% dos fracassos, não só em transição para a sustentabilidade, mas em qualquer área da vida. É quando a nossa decisão está dependente dos MEIOS que temos ao nosso dispor naquele momento. Este foi o método da Rute do 8º ano que tinha um desejo, viu que não tinha os meios, e não tomou uma decisão por causa disso. Pior, decidiu Não fazer nada.
Processo da Tribo: DESEJO —» DECISÃO —» MEIOS
Este é o método que aprendemos na Tribo (plataforma e comunidade de e-learning de empreendedorismo social e digital), e que aplicamos no Liberta-te.com. Esta simples mudança obriga-nos a sair da nossa zona de conforto para CRIAR os meios/circunstâncias necessárias para satisfazer os nossos desejos.
Isto significa que, ao desejares levar uma vida mais sustentável, tomas essa decisão de ir por esse caminho e, por isso, vais procurar e adquirir os meios necessários para o fazer acontecer.
Não é afinal assim que vieste aqui parar, e estás a ler isto agora mesmo? 😉
Agora vamos te dar alguns meios para que possas avançar com a tua decisão de transitar para um estilo de vida mais sustentável.
2. Mudança de Hábitos e Comportamentos na nossa Economia
Muitíssimo simples. Nem sempre fácil, mas extremamente simples:
- Deixar de Investir contra as nossas éticas
- Investir no Socialmente Responsável
Fazer estas 2 pequenas coisas levará automáticamente numa mudança de hábitos e comportamentos. Não é algo que se faça de um dia para o outro, mas um processo que se faz um pouco todos os dias.
Por exemplo, recentemente encontrámos um moleiro (relativamente) perto de nossa casa. Se não tivéssemos estado à procura dos meios para satisfazer o nosso desejo de uma vida mais sustentável, nunca o teriamos achado. Agora, em vez de comprar farinha no supermercado, super embalada (= mais lixo), lixiviada e vinda sabe-se lá de onde, posso investir no socialmente responsável, patrocinando a economia local, e em troca recebo farinhas de todo o tipo, misturas personalizadas e farinha de alta qualidade moída na hora.
3. Metodologia Sistémica
Depois da tua tomada de decisão, precisas de encontrar os meios, os aliados, os recursos, e interligar todos os componentes num sistema em que nada é desperdiçado e tudo é aproveitado ao máximo. Isso é crucial para um estilo de vida sustentável.
Mas como?
- Determinar os Objetivos do Sistema
- Análise das estruturas Existentes
- Análise da organização/padrões existentes
- Análise dos processos envolvidos e estabelecer interações
1. Objetivos do Sistema
Neste caso, o teu sistema é a forma como tu operas, o teu habitat – o teu espaço e a forma como interages com ele. Precisas de determinar os objetivos que queres que o teu estilo de vida (sistema) consiga cumprir. Este conjunto de questões vai ajudar-te a delimitar os objetivos do teu sistema:
- Qual a visão para o teu espaço (qual o teu estilo de vida/espaço de sonho)?
- O que consideras necessário?
- O que gostarias de ter no teu espaço/estilo de vida?
- Valores e princípios que guia/rão o teu sistema/estilo de vida
- Factores limitantes (espaço, dinheiro, tempo, competências, etc, etc, etc)
- Recursos disponíveis (tudo conta – desde os mesmos elementos que consideraste um factor limitante – ex: dinheiro ou competências – como até algo que nunca consideraste um recurso – como borras de café para criar cogumelos, por exemplo)
- Tempo
- Manutenção
2. Análise das estruturas Existentes
Em permacultura, existem as estruturas visíveis – casas, contruções, infra-estruturas, terreno, espaços, ferramentas, tecnologia etc – e as estruturas Invisíveis: religião, espiritualidade, éticas, finanças, educação, cultura, economia…
Analisa os elementos existentes no teu sistema para, nos passos seguintes, conseguires recontectá-los de forma a que tudo flua mais suavemente – como as peças de um puzzle. Cada elemento é uma peça, e é preciso observar a melhor forma de todas encaixarem para que tenhas um puzzle (sistema) completo e harmonioso.
Para uma boa análise do elemento (peça do puzzle) é necessário perceber 3 coisas: quais os inputs (necessidades), os outputs (o que dá ou gera), e as características desse elemento.
Ex: um espaço social
INPUT (Precisa):
- Movimento
- Pessoas
- Espaço fisico (público ou privado)
- Música (facultativo)
- entretenimento
- Conforto
- Equipamento/mobiliário/estruturas
- Responsabilidade Social pela
- Manutenção e evolução do espaço
- Ambiente convidativo (integrar em vez de segregar)
- Convide à Interactividade
- Uma actividade pode dar inicio a um espaço social
Características:
- É um centro de actividade humana
- É um ativo informativo e regenerativo
- onde a cultura de um grupo se desenvolve
- é acolhedor e confortável
- Pode ser localizado num espaço físico, mas quem cria uma espaço social são um conjunto de pessoas que se reúnem com intenções/objetivos específicos
- é uma necessidade humana
OUTPUTS (Fornece):
- Animação/Entretenimento/Informação
- Reforço e apoio moral
- comunicação
- cultura
- bem-estar físico, emocional, mental, espiritual, económico
- conexão c/ a comunidade que partilha do espaço
- restauro energético
- beleza/ estética
- núcleo de desenvolvimento da comunidade/tomada de decisões
Agora que já conheces bem a peça do puzzle, mais facilmente a podes encaixar com as outras para um sistema sustentável.
3. Análise da organização/padrões existentes e 4. Análise dos processos envolvidos e estabelecer interações
Como é que as tuas peças do puzzle estão encaixadas neste momento? Tens ciclos que fluem ou tens ciclos abertos de desperdício de recursos/energia?
A forma como interages com o teu espaço é regulado por padrões – os teus próprios hábitos são padrões: de comportamento. Também existem padrões de consumo.
Por exemplo:
- Muitas pessoas gostam de ter fruta em cestos, à vista, para que, no fluir natural de se movimentarem pela casa, se lembrem de comer fruta. Se a colocarem no frigorífico, muitas vezes só se lembram de a comer depois de já se ter estragado no fundo da prateleira, e depois lá vamos nós comprar mais fruta ao supermercado que não vamos comer. Simplesmente tendo a fruta à vista e à mão de semear já altera o padrão de alimentação da pessoa.
- Ter os baldes da reciclagem logo ao lado do saco do lixo em vez de noutra divisão da casa pode reduzir o lixo que vai parar ao aterro sanitário.
- Ter plantas mais sensíveis à janela da cozinha ou da casa de banho torna mais fácil a sua manutenção e rega. Basta aproveitar que JÁ lá estamos a fazer outra coisa, como lavar as mãos – para nos lembrarmos de também regar a planta. É este tipo de análise simples de padrões e organização do teu sistema que podes torná-lo mais sustentável e eficiente. Também podes, assim, fazer com que os teus recursos cheguem mais longe, reutilizando-os várias vezes antes de “sairem” do teu sistema.
- Usar a água do banho para puxar o autoclismo poupa-te cerca de 4-8L cada vez que usas a casa de banho.
Um exemplo que eu adoro dar (porque vivo-o diariamente) é com as nossas galinhas. Elas são uma boa peça do nosso puzzle. Mas precisam de palha. Nós não temos muita palha, então criámos um padrão novo para aproveitar esse recurso ao máximo enquanto continuamos a tirar o melhor proveito possivel tanto da palha como da utilização que as galinhas lhes dão.
- Em vez de precisas de palha para a nossa horta + a palha necessária para as galinhas;
- A mesma palha vai primeiro para as galinhas – que depois de ser usada por elas (ou seja, fertilizada com o seu estrume), segue então para a nossa horta. Não só estamos a usar menos palha para as duas necessidades, como a palha vai em melhores condições para a horta do que no caso anterior.
Analisa os padrões existentes e muda-os criando novas interações entre as diferentes peças do teu puzzle para que encaixem melhor, deixando menos desperdício, trabalho e mais abundância e fluidez.
4.Processo de Design
Com todas as dicas dadas acima, o que estás a fazer é o design do teu habitat sustentável, tendo em conta as tuas necessidades, os teus valores éticos, e o bem-estar de todos os elementos envolvidos. Estás a criar um sistema bem oleado em que nada é deixado ao acaso e ao desperdício, seja esse desperdício de tempo, trabalho, dinheiro, recursos naturais, etc…
O ciclo constante que farás daqui para a frente (nunca mais ser capaz de não ver isto no teu dia-a-dia) será mais ou menos assim:
Da mesma forma que a nossa vida não é um destino, mas uma viagem, a transição para um estilo de vida mais sustentável não é um destino a que se chega – é um processo. Faz-se todos os dias, um bocadinho de cada vez.
Por isso diverte-te a criar a tua realidade sustentável com estas ferramentas – usa os principios e éticas de permacultura como uma filosofia de vida, transversal a todas as áreas e não só à agricultura biológica como muitos pensam.
Consome éticamente e vive um estilo de vida hedonisticamente frugal, consumindo menos mas apreciando tudo muito mais.